Diz a lenda que, ao pilotar, Ayrton Senna entrava em um transe místico que o fazia dirigir de forma mágica, sobrenatural, implausível e tecnicamente impossível. Esse é um dos motivos que o tornaram uma lenda, dentro e fora das pistas da Fórmula 1.
Hoje, completam-se 30 anos desde que o homem que elevou o conceito da palavra “piloto” a um novo patamar faleceu na curva Tamburello do circuito Enzo e Dino Ferrari em Ímola. Três décadas após aquele fatídico 1º de maio de 1994, Ayrton Senna ainda é, e cada vez mais, uma lenda.
Mas como Senna ainda preserva essa imagem quase intacta numa sociedade imediatista? Com novos ídolos surgindo e seus recordes sendo quebrados, como Ayrton permanece no pensamento dos fãs de Fórmula 1?
Os motivos dessa adoração por um piloto que morreu no milênio passado, que não conheceu a Internet, baseiam-se em tudo o que ele fez, em tudo o que poderia ter feito, mas, acima de tudo, em como ele fez. Sua personalidade, seu misticismo, sua filosofia de vida e de pista, seu caráter generoso com alguns e implacável com outros, sua maneira de humilhar os rivais e seu desejo insaciável de vitória fazem parte do personagem. No entanto, o que realmente fez dele uma lenda foi sua pilotagem fora de série em uma época em que havia muitos grandes rivais na F1, e como ele conseguiu se destacar entre todos eles.
Demolindo os Rivais:
Jo Ramirez relembra o Grande Prêmio de Mônaco de 1988. Ayrton Senna era recém-chegado à equipe, comandada pelo lendário Alain Prost, já bicampeão mundial e vencedor no Principado nos três anos anteriores.
No terceiro GP da temporada, Senna saiu do carro depois de sua tentativa de volta mais rápida, a famosa “volta voadora”, e sentou-se ao lado do caminhão da equipe, ainda imerso no estado de abstração que ele tinha antes, durante e após entrar no carro. Alain Prost não conseguia acreditar. Ele pesquisou a telemetria, vasculhou os relatórios e perguntou a Jo Ramirez: Onde ele poderia ter conseguido tirar esse tempo de mim? O culpado pela tribulação do grande piloto francês foi Ayrton Senna.
A confusão e a descrença do homem que havia vencido o Grande Prêmio de Mônaco três vezes consecutivas foram causadas pelo 1,427 segundo que seu companheiro de equipe brasileiro tinha de vantagem na classificação para a corrida. Na F1, um décimo de segundo é uma distância razoável, dois ou três são suportáveis, quatro décimos a um segundo é uma vida inteira, portanto, quase um segundo e meio é uma eternidade.
Sua Pilotagem Sobrenatural:
Como e por que ele era tão rápido? Há várias teorias sobre isso. Primeiro, era sua maneira de fazer curvas. Se você prestar atenção aos vídeos de Senna, em comparação aos de outros pilotos fazendo a mesma curva, poderá ouvir e ver como ele, de alguma forma, aumentava as rotações do motor quando reduzia a marcha na entrada da curva e acelerava durante o ápice dela para manter as rotações altas e sair para a reta mais rápido do que o resto dos pilotos.
Explicar isso em termos anatômicos significaria que, para fazer essas manobras, era necessário um ser humano com três braços e três pernas. Ao mesmo tempo em que ele pisava no acelerador para aumentar as rotações, ele pisava na embreagem para trocar de marcha e freava (usando os dedos do pé e o calcanhar). Na parte superior do tronco, a eficiência de Senna fazia parecer que ele tinha um braço extra, devido à precisão de suas curvas e à harmonia de suas trocas de marchas.
O Melhor Classificador da História:
As 65 pole positions em 161 Grandes Prêmios em sua época foram um recorde na F1, embora hoje estejam muito longe das 104 de Lewis Hamilton ou das 68 de Michael Schumacher. A porcentagem de pole positions de Senna por corrida é de 40,37%, perdendo apenas para Juan Manuel Fangio (56,68%), Jim Clark (45,83%) e Alberto Ascari (43,75%).
Vinte desses 65 foram em carros notoriamente inferiores aos da marca mais potente da época. Seu manuseio descrito acima, seu foco e sensibilidade o colocaram à frente dos demais. Não se tratava apenas de habilidade ou conhecimento, mas de compreensão do “espírito” da máquina, dos pneus, do asfalto e do circuito. “Nunca houve um piloto melhor em uma volta inteira de pilotagem”, disse Jo Ramirez.
Dirigindo na Chuva:
Entre outros tantos, o Grande Prêmio de Mônaco em 1984 e Donington em 1993 são alguns dos mais lendários da carreira de Senna. A lenda do ‘Mágico’ Senna começou a ser moldada em Mônaco, em 1984, quando, ao volante de um fraco carro da Toleman, ele fez uma demonstração de pilotagem na chuva que quase lhe deu a vitória.
Nove anos mais tarde, aconteceu a famosa “Volta dos Deuses” em Donington, no Grande Prêmio da Europa. Naquele ano, os carros da Williams eram quase imbatíveis. Ao se classificar em quarto lugar, Ayrton Senna, ‘mestre da chuva’, ultrapassou Karl Wendlinger, Michael Schumacher, Damon Hill e Alain Prost logo na primeira volta, de 74 no total. E, na segunda, já estava quatro segundos à frente deles.
Respeito e Ódio de Seus Rivais:
Todos que correram contra Senna e o enfrentaram nas pistas desenvolveram sentimentos mistos fortíssimos pelo brasileiro, combinações como: frustração-admiração, ódio-respeito, descrença-entusiasmo. Senna conquistou o respeito de seu ídolo, o mestre e multicampeão argentino Juan Manuel Fangio, que o ungiu como seu sucessor.
O próprio Prost, depois de aposentado, fez as pazes com Senna e foi um dos que mais chorou em seu funeral. Ele carregou uma das alças do caixão e reconheceu que sua grandeza estava intimamente ligada à do piloto paulista. Você só é tão bom quanto os rivais que venceu e quanto a maneira como o fez. Senna não teria sido uma lenda sem Prost, Lauda, Nelson Piquet, Nigel Mansell, Berger, Alesi, Alboreto, Rosberg, De Angelis, Laffite, Arnoux, Patrese e, é claro, o grande Michael Schumacher.
Homenagens em Ímola:
O GP da Emilia-Romagna da F1, realizado no domingo (19) no circuito de Ímola, na Itália, foi marcado por homenagens a Ayrton Senna. Antes da corrida, Sebastian Vettel guiou a McLaren MP4/8, carro usado por Senna em sua última temporada na escuderia britânica, em 1993. O alemão usava um capacete estilizado em referência ao conhecido acessório do tricampeão mundial. Vettel, que deixou a F1 em 2022, participou de outras ações da programação do GP da Emilia-Romagna em memória de Senna e Ratzenberger.
O Legado Eterno:
Hoje, 30 anos depois de sua morte, os pilotos atuais ainda usam as famosas frases de Senna, como “o segundo lugar é o primeiro dos perdedores” ou “você não é mais um piloto se vê uma brecha e não avança por ela”. Sua personalidade também fez do brasileiro um mito.
A morte de Senna privou o mundo de ver um intenso duelo de alta qualidade contra Schumacher, que teria se estendido, talvez, por toda a década de 1990. E por isso, certamente, os campeões daqueles anos teriam que ‘ceder’ suas coroas a Ayrton.
Com toda essa imagem folclórica que cerca o brasileiro, poder dirigir um carro que foi de Senna em algum momento, por exemplo, é um dos pontos altos da vida de muitos pilotos.
Tudo isso somado, sejam os números, a performance, ou mesmo o que vai além da explicação, a magia, o misticismo e o lado anímico e lendário de suas corridas, ajuda a explicar, mesmo que talvez ainda não por completo, porque o piloto brasileiro ainda recebe reverências de todas as gerações anteriores, concomitantes ou posteriores a si.
Ele sabia vencer, mas, além de tudo, sabia como vencer. Sabia ser brasileiro, e gostava disso mais do que tudo. E, por isso, ainda haverá muitos campeões da Fórmula 1, mas apenas uma lenda, eternamente jovem, Ayrton Senna, do Brasil.
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